Em 2023 a Uber foi condenada em primeira instância a pagar uma indenização de R$ 1 bilhão e a contratar formalmente todos os motoristas vinculados ao aplicativo. A Justiça entendeu que a empresa “se omitiu em suas obrigações” ao não contratar motoristas. A decisão é do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região). Ainda, há diversos outros tribunais, inclusive a Corte Máxima do Excelso Tribunal Superior do Trabalho condenando a empresa.
A sentença é resultado de denúncia referente a condições de trabalho feita por um grupo de motoristas. Feita pela AMAA (Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos), a denúncia deu origem a uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho que pediu que a Uber contratasse seus motoristas e pagasse a indenização de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos.
A decisão fixou entendimento de que a Uber é empresa de transporte de passageiros. A atividade não era elencada entre as desempenhadas pela companhia junto à Receita Federal, onde está cadastrada como uma firma de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários.
As ações e omissões, de forma dolosa, geraram uma ofensa aos motoristas em geral, mas também à concorrência, a exemplo dos taxistas, também ao Estado, pela ausência de possibilidade de inclusão dos seus motoristas no sistema de previdência social e, portanto, nas coberturas dos benefícios aos contribuintes, à saúde pública, por levar ao SUS muitos dos motoristas doentes, acidentados, contaminados sem que de fato haja contribuição para o custeio do amplo sistema assistencial brasileiro.Juiz Maurício Pereira Simões, em decisão sobre a Uber.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho também é nesse sentido, vejamos então o acórdão da 2º Turma do TST no processo de autos nº 536-45.2021.5.09.0892 cujo acórdão foi firmado em 13 de setembro de 2023 – Passamos pela ementa:
“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE – PROCESSO SOB A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 – RITO SUMARÍSSIMO – CICLISTA ENTREGADOR DE ALIMENTOS – EMPRESA-PLATAFORMA DE ENTREGAS (UBER EATS) – RELAÇÃO EMPREGATÍCIA – CONFIGURAÇÃO – MODELO DE GESTÃO POR GAMIFICAÇÃO – SUBORDINAÇÃO PELO ALGORITMO. 1. Fixada pela Corte regional a premissa conceitual de que a empresa ré atuaria como intermediadora tecnológica, é dado a essa Corte Superior, no exame do recurso de revista, reenquadrar os fatos a partir de sua leitura do papel da referida empresa no campo econômico. Ademais, não há que se falar em revolvimento do conjunto fático probatórios dos autos quando nenhuma das premissas adotadas pela Corte Regional se refere de modo singular e peculiar ao caso concreto de prestação de serviços desse reclamante em face dessa reclamada. Pelo contrário, até mesmo os depoimentos testemunhais e dos prepostos discutem a sistemática geral de funcionamento do trabalho na empresa-plataforma reclamada, tratando inclusive da sua relação, em geral, com motoristas, motociclistas (quando o reclamante é ciclista entregador), e sua aptidão, em tese, para engendrar trabalho subordinado ou trabalho autônomo . Assim é que a discussão reverbera, a todo o momento, no modelo de negócios da empresa plataforma ré, que, inclusive, tem sido designado, no mundo todo, em função da sua marca, como uberização. 2. Não há, portanto, que se falar em incidência do óbice da Súmula nº 126 do TST, uma vez que, se interpretada a questão sobre outro viés, como aquele que compreende que a atividade da empresa reclamada é uma atividade de transporte de pessoas e de entrega de mercadorias, a dinâmica factual consignada no acórdão regional adquire outros contornos e significados, no preciso conceito de reenquadramento jurídico dos fatos. Desse modo, fica claro que não é preciso afastar os fatos consignados no acórdão regional para adotar conclusão jurídica distinta, sobretudo diante de uma qualificada literatura científica produzida a respeito do modelo de negócios das empresas-plataformas digitais, que subsidia, inclusive para além do que foi colhido pela Corte regional, o entendimento sobre o funcionamento das referidas empresas, de modo a poder lançar um olhar concreto e contextual sobre a moldura fática consignada pela Corte regional. 3. O reclamante discute nos autos e, especialmente, em suas razões recursais, sua completa exclusão de um sistema público de proteção ao trabalho. Para além da configuração do vínculo de emprego, modalidade de relação de trabalho, que permite uma maior inclusão no sistema de proteção social, a discussão colocada nos autos evidencia o risco de que o reclamante sequer seja considerado enquanto trabalhador autônomo contratado pela Uber, mas como parceiro, usuário/consumidor da plataforma, entre outras caracterizações que extirpam da relação entre empresa-plataforma e trabalhador-entregador a natureza de uma relação de trabalho em sentido lato, relação essa que, em alguns contextos, afastaria desse trabalhador até mesmo a tutela jurisdicional da Justiça do Trabalho. 4. Ante essa situação atípica e extrema, entendo possível que, ainda que diante da cognição restrita do recurso de revista sob o rito sumaríssimo, se possa discutir a pretensão recursal do autor à luz da dignidade da pessoa humana que trabalha e do conjunto de direitos sociais insertos no art. 6º da Constituição Federal (cujo acesso primordial se dá por meio do trabalho), visto que o enquadramento jurídico decorrente da decisão regional tem por consequências não apenas a refutação do vínculo de emprego, como também a exclusão da tutela trabalhista em sentido lato, tese sustentada pela reclamada nesse e em diversos outros processos e espaços de intervenção pública. 5. É sob esse viés que a discussão sob a natureza da relação estabelecida entre reclamante e Uber, no caso concreto, adquire contornos constitucionais afetos ao direito ao trabalho e eles passam, na esteira dos relatórios da United Nations High Commissioner for Human Rights , também, pelo reconhecimento e, por conseguinte, pela aferição dos requisitos para o reconhecimento do emprego, tal como posto na inicial. 6. A Corte regional analisou cada um dos requisitos da relação de emprego e concluiu que estão presentes os requisitos da onerosidade, da pessoalidade e não eventualidade, ainda que tenha feito ressalvas quanto às razões pelas quais cada um desses elementos se presentifica no caso concreto. Tais ressalvas, contudo, perdem relevância diante da incidência do princípio da primazia da realidade que rege o Direito do Trabalho. 7. Quanto ao elemento fático-jurídico da subordinação, a Corte regional entendeu que havia liberdade por parte do reclamante em relação a horários e assunção das entregas, razão porque não estaria retratada no caso concreto a subordinação, não obstante tenha expressamente assentado no acórdão que “não se ignora a definição de critérios pela Ré quanto às taxas de cancelamento e de aceitação, bem como a avaliação pelo usuário quanto à qualidade dos serviços prestados pelo entregador. Tal sistema de avaliação pelos usuários pode, em determinadas hipóteses, indicar a existência de poder diretivo e disciplinar por parte das plataformas, nem sempre se tratando de mero controle de qualidade”. 8. Ademais, o fato de que, em tese, há liberdade do trabalhador de se desconectar quando quiser esvazia-se diante do fato, também corroborado pela moldura fática inscrita no acórdão, que o menor tempo de conexão (quando o reclamante desligava o aparelho) e a recusa de entregas implicavam a restrição do fluxo de demandas atribuídas ao trabalhador, como constatado nesses autos e em inúmeras pesquisas científicas. 9. Verifica-se, no âmbito da programação inscrita no software do aplicativo, que o modelo de gestão do trabalho das referidas empresas orienta-se, em um processo denominado de gamificação, pela dinâmica dos “sticks and carrots”, na qual os trabalhadores são estimulados e desestimulados a praticarem condutas, conforme os interesses da empresa-plataforma, a partir da possibilidade de melhorar seus ganhos e de punições indiretas, que respectivamente reforçam condutas consideradas positivas e reprimem condutas supostas negativas para a empresa, em um repaginado exercício de subordinação jurídica (Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos/ Juliana Carreiro Corbal Oitaven, Rodrigo de Lacerda Carelli, Cássio Luiz Casagrande. Brasília: MPT, 2018, p. 33). Surge, assim, uma nova forma de subordinação pelo algoritmo, que é construído e alimentado pela própria empresa em favor do exercício do seu poder diretivo. 10. Para trabalhar, o reclamante tinha de ficar conectado à plataforma, sendo avaliado e recebendo o volume de corridas por preços e critérios estipulados unilateralmente, por meio de algoritmos. Ou seja, a empresa, de forma totalmente discricionária, decidia sobre a oferta de trabalho, o rendimento e até pela manutenção ou não do reclamante na plataforma, o que evidencia o seu poder diretivo. 11. Saliente-se que o Direito do Trabalho e seus princípios protetores devem abranger os entregadores de aplicativos, visto que nada há de incongruente entre os seus pressupostos e o modelo de negócios das empresas que prestam serviços e que controlam trabalhadores por meio de plataformas digitais, cabendo ao Poder Judiciário a constante releitura das normas trabalhistas, em face dos novos arranjos produtivos, mas sempre em compasso com o horizonte constitucional da dignidade humana e do trabalho protegido por um sistema público de proteção social. 13. Ao afastar-se desse horizonte, em face de uma concepção jurídica equivocada a respeito da relação social estabelecida pelas empresas que utilizam plataformas para contratar trabalho, a Corte regional recusou ao reclamante as garantias mínimas previstas nos arts. 1º, III, 6º e 7º da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-536-45.2021.5.09.0892, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 29/09/2023).
Além da Colenda 2º Turma, a 3ª e 8ª Turmas do TST também são favoráveis ao vínculo empregatício. Vejamos a ementa do acórdão 08ª Colenda Turma do Tribunal Superior do Trabalho proferida nos autos do processo nº 100853-94.2019.5.01.0067, em relação ao acórdão datado em 19 de dezembro de 2022.
A UBER, EMPRESA AMERICANA QUE ORIGINALMENTE SE CHAMAVA UBERTAXI, NÃO É EMPRESA DE APLICATIVOS PORQUE NÃO VIVE DE VENDER TECNOLOGIA DIGITAL PARA TERCEIROS. O QUE ELA VENDE É TRANSPORTE, EM TROCA DE PERCENTUAL SOBRE AS CORRIDAS E POR MEIO DE APLICATIVO DESENVOLVIDO PARA ELA PRÓPRIA. CABELEIREIROS E MANICURES, QUANDO MUDAM DE SALÃO, A CLIENTELA VAI ATRÁS. OS MOTORISTAS DE TÁXI BUSCAM PASSAGEIROS E FORMAM CLIENTELA. MOTORISTAS DE UBER TÊM SEUS VEÍCULOS POR ELA CLASSIFICADOS, SEGUEM REGRAS RÍGIDAS, NÃO FORMAM CLIENTELA, NÃO FIXAM PREÇO, TÊM SUA LOCALIZAÇÃO, TRAJETOS E COMPORTAMENTO CONTROLADOS E, QUANDO SÃO EXCLUÍDOS DO APLICATIVO SOBRE O QUAL NÃO TÊM QUALQUER INGERÊNCIA, FICAM SEM TRABALHO. O PODER DE LOGAR, DESLOGAR, CLASSIFICAR, PONTUAR, ESCOLHER O MAIS PONTUADO (O MAIS PRODUTIVO PARA A EMPRESA) É EXCLUSIVAMENTE DA UBER. A SUBORDINAÇÃO CLÁSSICA, HISTÓRICA OU ADMINISTRATIVA A QUE SE REFERE A CLT NO ART. 3º É A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DERIVADA DA IMPOSSIBILIDADE OBREIRA DE CONTROLE DOS MEIOS PRODUTIVOS. A SUBORDINAÇÃO A QUE ALUDE O ART. 2º É A SUBORDINAÇÃO EXECUTIVA, QUE CONFERE MAIOR OU MENOR AUTONOMIA AO TRABALHADOR CONFORME A ATIVIDADE DESENVOLVIDA OU AS CARACTERÍSTICAS DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º, DA CLT “OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO” E O FATO DO TRABALHADOR NÃO TER HORÁRIO DE TRABALHO CONSTA DA CLT EM RELAÇÃO AO TELETRABALHADOR EMPREGADO, EXATAMENTE QUANDO REMUNERADO POR PRODUÇÃO. I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RÉ. LEI 13.467/17. NULIDADE PROCESSUAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. Não se verifica a alegada violação dos arts. 832 da CLT, 489, I, III e IV, do CPC e 93, IX, da Constituição Federal, uma vez que o Tribunal Regional fundamentou corretamente a sua decisão, tendo a prestação jurisdicional sido entregue de forma completa, embora desfavorável à pretensão da ré. Extrai-se do v. acórdão recorrido que a Corte Regional, com base no robusto conjunto probatório dos autos, de acordo inclusive com a interpretação extraída das cláusulas do contrato de adesão de prestação de serviços, que é disponibilizado para os usuários da plataforma digital, expôs de forma minudente as razões pelas quais decidiu pela existência de vínculo empregatício entre a autora e a ré. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência do recurso de revista. ACORDO JUDICIAL. NÃO HOMOLOGAÇÃO. LEGITIMIDADE DE PARTE. INTERESSE PROCESSUAL. LITIGÂNCIA MANIPULATIVA DA JURISPRUDÊNCIA. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. 1. Embora possa ser exercido de forma ampla, o direito de ação submete o autor da demanda ao cumprimento das regras processuais estabelecidas no CPC. A instauração regular do processo e a obtenção integral da prestação jurisdicional demandam a observância de requisitos processuais mínimos, até que se obtenha uma sentença de mérito, a saber, as condições da ação: interesse processual, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido. “O interesse processual nasce, portanto, da necessidade da tutela jurisdicional do Estado, invocada pelo meio adequado, que determinará o resultado útil pretendido, do ponto de vista processual. É importante esclarecer que a presença do interesse recursal não determina a procedência do pedido, mas viabiliza a apreciação do mérito, permitindo que o resultado seja útil, tanto nesse sentido quanto no sentido oposto, de improcedência. A utilidade do resultado se afere diante do tipo de providência requerida”. Por outro lado, “Autor e réu devem ser partes legítimas. Isso quer dizer que, quanto ao primeiro, deve haver ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo. O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo (art. 6º do CPC). Quanto ao réu, é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor. Para que se compreenda a legitimidade das partes, é preciso estabelecer-se um vínculo entre o autor da ação, a pretensão trazida a juízo e o réu. (…) Note-se que, para a aferição da legitimidade, não importa saber se procede ou não a pretensão do autor, não importa saber se é verdadeira ou não a descrição do conflito por ele apresenta” (Luiz Wanbier, Flavio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, in Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1, págs. 139-141, 7ª ed. Revista e atualizada). 2. Lado outro, o novo CPC adotou em seu art. 6º o modelo de processo cooperativo, que parte do ideal de que todos devem cooperar para a solução mais rápida da lide. Consubstancia-se na divisão equilibrada do trabalho processual entre todos os envolvidos – partes e juiz. “Pelo princípio da cooperação, depreende-se que o processo é produto de uma atividade cooperativa triangular, composta pelo juiz e pelas partes, que exige uma postura ativa, de boa fé e isonômica de todos os atores processuais, e, especificamente do juiz, a atuação como agente colaborador do processo, e não mero fiscal de regras, visando à tutela jurisdicional específica, célere e adequada. Traduz, portanto, em diálogo entre partes e juiz que encontra, porém, limites na natureza da atuação de cada um dos atores processuais.” 3. É dever daqueles que participam do processo agir com lealdade e boa fé, sob pena de comprometimento da efetividade dos direitos materiais discutidos em juízo. José Olympio de Castro Filho vaticina que o abuso do direito processual se materializa “toda vez que, na ordem jurídica, o indivíduo no exercício do seu direito subjetivo excede os limites impostos pelo direito positivo, aí compreendidos não só o texto legal, mas também as normas éticas que coexistem em todo sistema jurídico, ou toda vez que o indivíduo no exercício do seu direito subjetivo o realiza de forma contrária à finalidade social (CASTRO FILHO, 1955, p. 17)”. Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, apregoa: “consiste o abuso do direito processual nos atos de má-fé praticados por quem tenha uma faculdade de agir no curso do processo, mas que dela se utiliza não para seus fins normais, mas para protelar a solução do litígio ou para desviá-la da correta apreciação judicial, embaraçando, assim, o resultado justo da prestação jurisdicional (THEODORO JUNIOR in MOREIRA, 2000, p. 113).” 4. O Poder Judiciário, de outra sorte, atua como intérprete do ordenamento jurídico. Tem o Poder-Dever de dirimir todo e qualquer conflito que se apresente (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Fala-se no papel interpretativo-criativo da atividade judicial. O juiz reproduz as leis, mas também supre lacunas existentes na aplicação e na conciliação da legislação. “A criatividade judicial tem, na verdade, duas dimensões: quando decide, o juiz cria a norma jurídica individualizada do caso (contida no dispositivo da decisão) como também cria a norma jurídica geral do caso (contida na fundamentação da decisão). É preciso diferenciá-las. A norma jurídica individual não é apenas a aplicação da norma abstrata ao caso concreto. É necessário que haja uma postura mais ativa do juiz, que deve interpretar (criar) a norma a partir de uma perspectiva constitucional, observando as particularidades do caso concreto. Mas o magistrado não cria apenas a norma individual no caso concreto. Como já se disse, quando exerce jurisdição, o órgão julgador também cria uma norma jurídica geral do caso. É exatamente por isso que podemos usar uma decisão proferida num processo em outro, distinto, porém semelhante. Em suma, o juiz deve produzir um discurso que atinge duas plateias: as partes e a comunidade. Quando atingida a comunidade, temos a decisão como precedente (ratio decidendi). Trata-se de norma jurídica geral construída a partir de raciocínio dedutivo que pode servir como diretriz para demandas semelhantes.” 5. No caso dos autos, eis a realidade fática enfrentada, posta aqui em ordem cronológica, para melhor compreensão da controvérsia, assim consubstanciada: a) Na r. sentença, foram julgados improcedentes os pedidos de: reconhecimento do vínculo empregatício e anotação da CTPS, condenação ao pagamento de verbas decorrentes da rescisão do contrato de trabalho, horas extras excedentes da oitava hora diária, ressarcimento de despesas de manutenção e depreciação do veículo utilizado e indenização por dano moral; b) Inconformada a autora interpôs recurso ordinário; c) autora e ré juntaram as r. petições das págs. 434 e 435-438, a fim de dar ciência ao juízo da formalização de acordo, bem como da desistência do recurso ordinário interposto pela autora; d) a Sra. Relatora converteu o feito em diligência para a realização de audiência de conciliação, conforme a ata das págs. 477-478, em que foi noticiado aos litigantes que a proposta de acordo seria encaminhada para a eg. Turma Julgadora, em sessão de julgamento da qual seriam regularmente intimados, para fins de sua homologação e/ou proposta de julgamento, caso não concordassem os demais integrantes da Turma com seus termos; e) as partes juntaram nova petição, informando ao juízo da complementação do acordo primitivo (págs. 508-509); f) o órgão especial rejeitou a arguição de exceção de suspeição suscitada pela Uber e determinou o seu arquivamento para o regular prosseguimento do feito; g) o Tribunal Regional julgou o recurso ordinário da autora e, naquela oportunidade, deixou de homologar o acordo extrajudicial formalizado pelas partes, sob o fundamento de que a ré se utiliza da técnica de conciliação estratégica por julgador, para obter como resultado a manipulação da jurisprudência trabalhista acerca do tema tratado no processo. 6. De todo o exposto, a primeira questão que se coloca é verificar se é cabível recurso apenas por uma das partes litigantes, em se tratando de procedimento de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial. Da dicção do art. 855-B da CLT outra conclusão não se extrai se não a de que os requisitos como a apresentação de petição inicial conjunta, a representação por advogados distintos, bem como a faculdade de o trabalhador ser assistido pelo sindicato de sua categoria são exigíveis especificamente para a homologação de acordo extrajudicial, não se estendendo para os casos de recursos. A assinatura em conjunto da petição demonstra, pelo menos num primeiro momento, que as partes tinham a nítida intenção de firmarem o acordo extrajudicial submetido à homologação pelo Tribunal Regional. A segunda questão que se apresenta é de que o art. 896 da CLT garante o recurso de revista como meio de impugnar a decisão desfavorável do Tribunal Regional. Ora, o acordo extrajudicial firmado entre a autora e a Uber, submetido à análise pela Corte Regional, não foi homologado e a r. sentença foi reformada, reconhecendo-se o vínculo empregatício, circunstâncias, portanto, prejudiciais, em certa medida, a cada uma das partes. Daí a legitimidade de ambas as partes de recorrer e o interesse processual na interposição do recurso de revista, com vistas a impugnar a parte da decisão que lhes foi desfavorável, conduta adotada apenas pela ré. Logo, preclusa a oportunidade de insurgência da autora contra a não homologação do acordo extrajudicial. 7. Some-se a isso o fato de que, no caso, a Corte Regional declarou que a ré se utiliza da técnica de conciliação estratégica por julgador, para obter como resultado a manipulação da jurisprudência trabalhista acerca do tema tratado no processo. De se concluir, portanto, que a finalidade do acordo proposto pela ré não foi a conciliação em si, como meio alternativo de solução de conflitos, mas um agir deliberado, para impedir a existência, formação e consolidação da jurisprudência reconhecedora de direitos trabalhistas aos seus motoristas. Evidenciada, pois, a má-fé processual, com o notório intuito de obter vantagem desproporcional e, portanto, em prejuízo à parte hipossuficiente da relação jurídica. Assim, a conduta processual da ré configura abuso processual de direito, atenta contra o poder judicial criativo do juiz, esvazia o conteúdo da jurisdição, por ausência deliberada de pretensão resistida, causa tumulto processual, viola os princípios da boa-fé, da lealdade processual e da cooperação, além de inviabilizar a manifestação pública da jurisprudência dos Tribunais e impedir que se assegure linha de entendimento mais coesa e, portanto, a segurança jurídica. Incólumes, portanto, os arts. 855-B a 855-E da CLT. Os arestos colacionados são oriundos de Turma do c. TST, não se prestando para o fim a que se destinam, conforme disposto no art. 896, “a”, da CLT. 8. Ademais, para se adotar entendimento em sentido contrário ao esposado pela Corte Regional, que concluiu pela litigância manipulativa da jurisprudência com base em estatísticas, seria necessário o exame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126/TST. Por fim, a Súmula nº 418 desta Corte expressamente prevê que “A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”, aplicando-se também ao caso dos autos. Não se vislumbra a presença da transcendência, no particular. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência do recurso de revista. JULGAMENTO EXTRA PETITA. HORAS EXTRAS. DANO EXTRAPATRIMONIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. Ocorre julgamento extra petita se o juízo examina pedido ou causa de pedir diversos daqueles deduzidos na petição inicial ou quando concede provimento judicial não vindicado ou no qual não se fundamentou o pedido, nos termos dos artigos 141 e 492 do CPC, devendo ser extirpado o que sobejar. Na hipótese dos autos, verifica-se da transcrição dos pedidos formulados na petição inicial que a autora efetivamente postulou a condenação da ré ao pagamento de horas extras, indenização por danos extrapatrimoniais e honorários advocatícios. Ademais, em sede de recurso ordinário asseverou que, “diante da presença de todos os elementos constantes no artigo 3º da CLT, resta clara a relação empregatícia havida entre as partes, motivo pelo qual pugna pela reforma do julgado para se reconhecer o vínculo empregatício e consequentemente as demais matérias objeto da ação que não foram apreciadas face o entendimento do magistrado.” Logo, o reconhecimento do direito da autora às horas extras, à indenização por danos extrapatrimoniais e aos honorários advocatícios conforma-se com a petição inicial, razão pela qual não há que se falar em decisão que extrapola os limites da lide. Ilesos, pois, os arts. 141, 492 e 1.013, §3º, II, do CPC. No contexto em que solucionada a lide, não se verifica a transcendência da causa, em nenhum dos critérios descritos pelo art. 896-A, §1º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência jurídica do recurso de revista. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EXTERNA. HORAS EXTRAS. CONTROLE DE JORNADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. MERO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. Dado o caráter de prejudicialidade das matérias em epígrafe, afetas ao tema “UBER. MOTORISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA”, relega-se o exame para o momento da análise do recurso de revista. II – RECURSO DE REVISTA DA RÉ. LEI 13.467/17. MOTORISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL E JURÍDICA RECONHECIDA.1. Cinge-se a controvérsia em se determinar a existência, ou não, de vínculo de emprego entre motorista que utiliza plataforma digital de transporte de pessoas e a empresa criadora e administradora do aplicativo (UBER).2. A causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza social e jurídica, na forma do art. 896-A, §1º, III e IV, da CLT. É questão nova e socialmente relevante, decorrente da utilização das tecnologias contemporâneas. 3. O atual ambiente de trabalho difere bastante daquele que propiciou o surgimento das normas trabalhistas, idealizadas para pacificar as questões jurídicas decorrentes de sociedades agrária e fabril por meio de contratos por tempo indeterminado, com prestação presencial e processo produtivo centralizado numa só empresa organizadora da atividade e controladora da mão de obra. Naquele tempo, a proteção à dependência do trabalhador em relação ao organizador da atividade empresarial decorria do fato de não possuir acesso, ingerência ou controle dos meios produtivos, daí resultando a sua fragilidade na relação jurídica e a necessidade de proteção compensatória por meio de direitos mínimos e instrumentos garantidores de reivindicação coletiva. O emprego da palavra “dependência” no artigo 3º da CLT, de 1943, é claro nesse sentido. A essa dependência econômica, resultante da impossibilidade de controle obreiro da produção, adere complementarmente a subordinação jurídica ao poder de direção revelado no art. 2º, da qual resulta a aderência contratual do empregado às condições de trabalho às quais se submete. Assim, a subordinação clássica, histórica ou administrativa a que se refere a CLT no art. 3º é a dependência econômica derivada da impossibilidade obreira de controle dos meios produtivos. A subordinação a que alude o art. 2º é a subordinação executiva, que confere maior ou menor autonomia ao trabalhador conforme a atividade desenvolvida ou as características da prestação de serviços.4. Com o passar do tempo, os estudos abandonaram a ideia da fragilidade fundada na dependência econômica pela impossibilidade de controle da produção, para centrar a proteção trabalhista unicamente na subordinação, que de subjetiva a centrada na pessoa do trabalhador, adquiriu caráter objetivo voltado à prestação de serviços. Uma vertente dessa teoria desenvolveu a ideia da proteção fundada na dinâmica do processo produtivo (subordinação estrutural), cuja característica mais visível é presumir a existência da relação de emprego. 5. Vieram a Terceira e Quarta Revoluções Industriais ou Tecnológicas, alterando gradativamente o processo produtivo. Hoje, o trabalho é comumente realizado num ambiente descentralizado, automatizado, informatizado, globalizado e cada vez mais flexível, trazendo para o ambiente empresarial novos modelos de negócios e, consequentemente, novas formas e modos de prestação de serviços e de relacionamento. Em tal contexto, conceitos que balizam a relação de emprego demandam uma necessária releitura, à luz das novas perspectivas de direção laboral, controle da atividade econômica ou meios produtivos e caracterização do tipo de vínculo de trabalho. 6. Com os avanços tecnológicos, nasce na década de 90, já na era do conhecimento e do pleno domínio da informática, da rede e dos aplicativos móveis, a “economia compartilhada”, compreendida como um novo modelo econômico organizado, baseado no consumo colaborativo e em atividades que permitem que bens e serviços sejam compartilhados mediante troca de dados pela rede, principalmente on line, em tempo real. A criação de Smartphones, a disponibilização de redes móveis de internet, wi-fi público em diversos locais e pacotes de dados acessíveis são aliados na expansão dessa nova tendência que vem reorganizando o mercado. Nesse cenário, surgem as plataformas digitais, que revelam uma nova forma de prestação de serviços, organizada por meio de aplicativos que conectam o usuário à empresa prestadora, que pode, à distância e de forma automática, prestar o serviço ou se servir de um intermediário para, na ponta, fisicamente executar o trabalho que constitui o objeto da atividade proposta pela empresa de aplicativo. A título meramente exemplificativo são empresas como Netlix, Rappi, Loggi, Enjoei, OLX, Peguei Bode, Desapego, Mercado Livre, Breshop, Uber Eats, IFOOD, Exponenciais, Google Maps e Wase, Airbn, Pethub, Um 99, Buser, GetNinjas, Wikipédia, Amazon Mechanical Turk (MTurk) e Blablacar, expoentes a partir desse perfil de mercado. 7. Nos deparamos então com um fenômeno mundial, que faz parte de novo modelo de negócios, do qual resulta uma nova organização do trabalho decorrente de inovações tecnológicas ainda não abarcada por muitas legislações, inclusive a nossa, que provoca uma ruptura nos padrões até então estabelecidos no mercado. São as denominadas “tecnologias disruptivas” ou “inovações disruptivas”, próprias de revoluções industriais, no caso, a quarta. A disrupção do mercado em si, do inglês “disrupt” (interromper, desmoronar ou interrupção do curso normal de um processo), não necessariamente é causada pela nova tecnologia, mas sim pelo modo como ela é aplicada. É nesse cenário que nasce a empresa ora recorrente (UBER), com sede nos EUA e braços espalhados pelo mundo, que fornece, mediante um aplicativo para smartphones, a contratação de serviço de motorista. Trata-se, na verdade, de uma TNC (Transportation Network Company), ou seja, uma companhia que, por meio de uma plataforma digital on line, conecta passageiros a motoristas ditos “parceiros”, que utilizam seus automóveis particulares para o transporte contratado. Por meio do aplicativo da UBER, essa conexão “passageiro-motorista” ocorre de forma rápida e segura, quer quanto ao valor do pagamento da corrida, quer no tocante à qualidade e à confiabilidade da viagem. No entanto, como já referido, essa inovação disruptiva afeta as estruturas sociais e econômicas existentes. Ao difundir o seu modelo de negócios no Brasil, a UBER, inevitavelmente, alterou o status quo do mercado de transporte privado individual urbano, acarretando consequências à modalidade pública do transporte de passageiros. Estamos falando dos táxis espalhados pelo País, com os quais diretamente concorre. Só que em vez do taxista procurar o cliente, o cliente procura pelo aplicativo da UBER um motorista. Essa nova modalidade de prestação de serviços de transporte privado individual urbano introduzido pela UBER no Brasil, mediante uma “economia compartilhada” (shared economy), resultou no alavancamento de uma massa considerável de trabalhadores até então parcial ou totalmente ociosos. Em consequência (aí o que nos interessa), a UBER fez surgir um acalorado debate no meio jurídico sobre questões como: a) A UBER é uma empresa de tecnologia ou de transporte? b) os motoristas da UBER necessitam de proteção jurídica diferenciada? c) A relação da UBER com seus empreendedores individuais denominados de “parceiros” caracteriza subordinação clássica? e d) como os automóveis utilizados no transporte são dos próprios motoristas “parceiros”, que podem estar logados ou não ao sistema da UBER conforme a sua conveniência, eles são empregados ou autônomos? 8. Nos autos do processo TST-RRAg-849-82.2019.5.07.0002, oriundo da eg. Terceira Turma, da qual sou egresso, manifestei naquela oportunidade o entendimento (cf. publicação no DEJT em 17/11/21) de que a Uber efetivamente organiza atividade de transporte por meio de plataforma digital e oferece o serviço público de transporte por meio de motoristas cadastrados em seu aplicativo. A Uber não fabrica tecnologia e aplicativo não é atividade. A atividade dessa empresa é, exclusivamente, propiciar o transporte, cujo aplicativo tecnológico de que se serve é o meio de conexão entre ela, o motorista “parceiro” e o usuário para efetivá-lo. É, enfim, uma transportadora que utiliza veículos de motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros. Considerar a UBER (que no país de onde se origina é classificada como empresa de transporte por aplicativo e que inicialmente se autodenominava UBERTAXI) como empresa de tecnologia ou de aplicativo, uma vez que não produz nenhum dos dois, corresponderia a fazer do quadrado redondo e isentá-la de qualquer responsabilidade no trânsito quanto à sua efetiva atividade, o transporte que organiza e oferece, e para o qual o motorista é apenas o longa manus ou prestador contratado. Se fosse apenas uma plataforma digital não estipularia preço de corridas; não receberia valores e os repassaria aos motoristas; não classificaria o tipo de transporte fornecido e o preço correspondente; não estabeleceria padrões; não receberia reclamações sobre os motoristas e não os pontuaria. Enfim, como empresa de aplicativo e não como empresa de transporte que é, estaria atuando no mercado em desvio de finalidade.9. Não se olvida que o fenômeno “Uberização” compreende novo modelo de inserção no mercado de trabalho e que deve ser incentivado não apenas porque é inovador, mas também porque permite concorrer com outros modelos de prestação de serviço de transporte para a mesma finalidade. No Brasil, quiçá mundialmente, o cenário de alto e crescente índice de desemprego e exclusão em decorrência do avanço da tecnologia, da automação e da incapacidade de geração de novas oportunidades no mesmo ritmo, atinge todos os níveis de instrução da força de trabalho e, portanto, de privação e precariedade econômica. Tal se potencializou com a recente pandemia do COVID 19, pelo que, além de outros fatores como alternativa flexível para gerar renda extra; necessidade de renda para ajudar na sobrevivência ou custear os estudos; espera pela realocação no mercado em emprego formal; não exigência de qualificação técnica ou formação acadêmica mínima, a migração de uma considerável camada da sociedade para essa nova modalidade de trabalho tornou-se uma realidade. Contudo, não passa despercebido que essa nova forma de prestação de serviços é caracterizada pela precariedade de condições de trabalho dos motoristas cadastrados. Entre outras intempéries, marcadas por jornadas extenuantes, remuneração incerta, submissão direta do próprio prestador aos riscos do trânsito. Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação obtida na classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição do serviço feita automaticamente pelo algorítmo. A falta de regulamentação específica para o setor e, portanto, a inércia do Poder Público, se por um lado propicia aos motoristas que sequer precisam conhecer os trajetos, porque guiados pelo Waze, maior possibilidade de inclusão sem os custos e as limitações numéricas das autonomias municipais dos taxis, por outro propicia às empresas do ramo estratosféricos ganhos pelo retorno lucrativo com mínimo de investimento e o vilipêndio de direitos básicos oriundos da exploração do trabalho. Dois polos da relação jurídica, em balanças desiguais. Isso porque a baixa remuneração impõe aos motoristas parceiros, sem alternativa, diante do contexto já retratado, o cumprimento de jornadas excessivas de trabalho, a fim de assegurar-lhes ao menos ganhos mínimos para garantir a própria subsistência e/ou de sua família, aniquilando assim o lazer e a convivência social e familiar, em menoscabo inclusive às normas de saúde e segurança do trabalho, além da cobrança ostensiva por produtividade e cumprimento de tarefas no menor tempo possível, que de modo insofismável lhes gera danos físicos e psicológicos. 10. Impende salientar que recentemente foi editada a Lei 14.297/22, publicada em 6/1/22, cuja mens legislatoris não foi colocar pá de cal na cizânia acerca do vínculo empregatício entre as plataformas digitais e seus prestadores de serviço, mas tão somente assegurar medidas de proteção especificamente ao trabalhador (entregador) que presta serviço de retirada e entrega de produtos e serviços contratados por meio da plataforma eletrônica de aplicativo de entrega, durante a vigência, no território nacional, da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela covid-19, donde se destaca o art. 10 da referida lei, in verbis: “Art. 10. Os benefícios e as conceituações previstos nesta Lei não servirão de base para caracterização da natureza jurídica da relação entre os entregadores e as empresas de aplicativo de entrega.” Da análise da lei fica clara a fragilidade dos entregadores por afastamento do trabalho por doenças, o risco de acidentes no trânsito, a dependência do trabalhador à inserção e à manutenção no aplicativo e a necessidade de proteção para além do coronavírus. Comparativamente, os motoristas de plataformas digitais, ao menos em relação a esses itens, necessitariam, por aplicação analógica, de igual proteção.11. Tem-se por outro lado que o conceito de subordinação é novamente colocado em confronto com a atual realidade das relações de trabalho, assim como ocorreu no desenvolvimento das teorias subjetiva, objetiva e estrutural. Surge assim a chamada “subordinação jurídica algorítmica”, que, conforme a compreensão da Corte Regional, que aqui se reproduz, dá-se pela codificação do “comportamento dos motoristas, por meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias de gestão, sendo que referida programação fica armazenada em seu código-fonte. Em outros termos, realiza, portanto, controle, fiscalização e comando por programação neo-fordista”. (pág. 628). Nessa toada, os algoritmos atuariam como verdadeiros “supervisores”, de forma que os requisitos que caracterizam o vínculo empregatício não mais comportariam a análise da forma tradicional. Mas é lógico que subordinação algorítmica é licença poética. O trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas matemáticas ou mecanismos empresariais utilizados na prestação do trabalho e sim com pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos meios produtivos e que podem ou não se servir de algoritmos no controle da prestação de serviços. Atenta a esse aspecto, em adequação às novas conformações do mercado, há mais de 10 (dez) anos a CLT estabelece, no parágrafo único do art. 6º, com redação dada pela Lei 12.551/11, que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Assim, o fato do trabalhador não ter horário de trabalho consta da CLT em relação ao teletrabalhador empregado, exatamente quando remunerado por produção.12. Feitas essas considerações, da análise detida do v. acórdão recorrido é possível concluir, para o exame dessa terceira indagação, que: 1) quem organiza a atividade e controla o meio produtivo de sua realização com regras, diretrizes e dinâmica próprias é a UBER; 2) Quem fixa o preço da corrida, cadastra e fideliza o cliente é a UBER, sem nenhuma ingerência do motorista prestador; 3) Quem aceita/defere o cadastramento e o descredenciamento do motorista é a UBER, após uma análise dos dados e documentos enviados, sendo que há exigência de carteira de motorista profissional, e veículos a partir de determinado ano de fabricação; 4) O motorista não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, não podendo fixar outro. Quem estabelece o valor de cada corrida, a porcentagem devida, a concessão de descontos aos clientes é a UBER, tudo sem a interferência do motorista dito parceiro, ou seja, de forma unilateral, por meio da plataforma digital; 5) A autonomia do motorista restringe-se a definir seus horários e se aceita ou não a corrida; 6) A UBER opera unilateralmente o desligamento de motoristas quando descumprem alguma norma interna ou reiteradamente cancelam corridas; 7) O credenciamento do motorista é feito on line (site ou aplicativo) ou presencialmente em agências / lojas da UBER; 8) a classificação do veículo utilizado e o preço cobrado conforme essa classificação é definida pela empresa; 9) O motorista não escolhe o cliente e sim as corridas. 13. O mundo dá voltas e a história termina se repetindo, com outros contornos. E nessa repetição verifica-se que estamos diante de situação que nos traz de volta ao nascedouro do Direito do Trabalho, ou seja, da razão de ser da proteção trabalhista: a impossibilidade do trabalhador ter acesso ou controle dos meios produtivos. Em outras palavras, frente à UBER, estamos diante da dependência econômica clássica que remete aos primórdios do Direito do Trabalho e que propiciou o seu nascedouro. O trabalhador da UBER não controla os meios de produção porque não tem nenhuma ingerência sobre a dinâmica da atividade, a formação própria de clientela, o preço da corrida, a forma de prestação do trabalho, o percentual do repasse, a classificação do seu automóvel em relação ao preço a ser cobrado, o próprio credenciamento ou descredenciamento na plataforma digital. Diferentemente dos taxis, em que o vínculo é estabelecido com os passageiros, o vínculo tanto dos passageiros, como dos motoristas credenciados, é com a UBER. Os motoristas “logados” atendem aos chamados endereçados pelos passageiros à UBER. E diferentemente das cooperativas dos antigos táxis especiais, os preços das corridas eram previamente acertados em assembleia dos associados e as cooperativas não controlavam os trajetos e nem recebiam parte do lucro e sim contribuição fixa. Nessa toada, o argumento empresarial contestatório é desimportante, porque para a UBER pouco importa que o motorista tenha “autonomia” para estar logado e deslogado, ou recusar corridas. As corridas recusadas são de interesse da própria UBER, delas economicamente participantes por dizerem respeito, evidentemente, a trajetos não compensatórios em horários de muita demanda. E quanto ao fato de ter autonomia para se logar ou deslogar do sistema, isso não traz para a UBER qualquer impacto (e por isso não é procedimento vedado) diante do número de motoristas na praça e do fato de que o próprio motorista sofre do próprio remédio, a partir do momento em que fora do sistema não pontua.14. Sobreleva notar, ademais, que, de acordo com os arts. 818, I e II, da CLT e 373, I e II, do CPC, incumbe ao autor o ônus da prova quanto a fato constitutivo de seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Para a hipótese de prova dividida, o Juízo não decide sob o enfoque de melhor prova, uma vez que ambas se equivalem, impondo-lhe julgar contra aquela parte a quem a lei atribui o encargo probatório. 15. Soma-se a isso o fato de que jurisprudência e doutrina modernas se alinham no sentido de que a mera prestação de serviços gera presunção relativa de vínculo empregatício. Desse modo, quando o empregador admite a prestação de serviços, negando, contudo, o vínculo empregatício, atrai para si o ônus da prova de que aquela ostenta natureza jurídica diversa da trabalhista, fato impeditivo do direito vindicado. Precedentes. 16. Cabe também citar outros países como Inglaterra (case n. 2202550/2015), Suíça, França, dentre outros, e cidades como Nova York e Seatle, que também vêm reconhecendo vínculo empregatício entre os motoristas ditos parceiros da Uber enquadrando-os como empregados. A regência trabalhista das plataformas digitais já deveria ter sido objeto de apreciação pelo Parlamento. A ele cabe decidir, auscultando a sociedade como um todo, pela melhor opção para a regulação dos motoristas de aplicativos, ou seja, decretando o vínculo total de emprego; ou a concessão apenas parcial de direitos, na condição de trabalhadores economicamente dependentes, mas semiautônomos. Na falta de regulação pelo Congresso, cabe ao Poder Judiciário decidir a questão de fato, de acordo com a situação jurídica apresentada e ela, como apresentada, remete, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, ao reconhecimento do vínculo empregatício, tal como vem sendo decidido no direito comparado.17. In casu, a controvérsia foi dirimida com lastro no robusto acervo probatório dos autos, em que a Corte Regional, traçando um paralelo com o conceito de “fordismo” e apresentando ainda a subordinação em suas várias dimensões, foi enfática em asseverar que identificou na relação jurídica mantida entre a autora e a ré a presença dos elementos que caracterizam o vínculo empregatício, na forma dos arts. 2º e 3º da CLT. a) No tocante à pessoalidade, ficou evidenciado o caráter “intuitu personae” da relação jurídica entre as litigantes. b) Na esteira do princípio da primazia da realidade, concluiu-se pela onerosidade, sob a dimensão objetiva. Diante da conclusão de evidência de que a Uber é que estabelece o valor das corridas, bem como a porcentagem devida, de acordo com o trajeto percorrido e da maneira que lhe convier, e concede descontos aos clientes, tudo sem a interferência do motorista parceiro, ou seja, de forma unilateral, por meio da plataforma digital, intermediando o processo, uma vez que recebe do cliente final em seu nome, retira sua comissão em percentual predefinido e repassa a ele (motorista parceiro) o que sobra, decidiu-se que, da forma como procede, efetivamente remunera seus ditos motoristas parceiros e, portanto, a autora pelos serviços prestados, pelo que manifesta a onerosidade. c) Quanto à não eventualidade, em resposta à argumentação da Uber de que não havia habitualidade na prestação de serviços, a Corte Regional declarou que “não existem dias e horários obrigatórios para a realização das atividades do Motorista Parceiro” e que “a flexibilidade de horários não é elemento, em si, descaracterizador da “não eventualidade” e tampouco incompatível com a regulação da atividade pelo Direito do Trabalho”, além de registrar o labor semanal pela autora, conforme se extrai do seguinte excerto: “O número de horas trabalhadas pela autora semanalmente era acompanhado pela ré, vez que todos os dados ficam armazenados no aplicativo, assim como o número de viagens concluídas, a taxa de aceitação e de cancelamento”. Assim, reconheceu-se o caráter habitual da prestação de serviços. d) Verificou-se, finalmente, a subordinação. A Corte Regional consignou que a Uber exerce controle, por meio de programação neo-fordista e, portanto, pela presença da subordinação jurídica algorítmica. Para tanto, adotou o conceito de “subordinação jurídica disruptiva”, desenvolvido pelo Exmo. Sr. Desembargador do TRT/17ª Região, Fausto Siqueira Gaia, em sua tese de doutorado. Como dito antes, subordinação algorítmica é, ao nosso ver, licença poética. Trabalhador, quando subordinado, é a pessoa física ou jurídica, ainda que ela se sirva do controle por meio do algoritmo, do GPS e de outros meios tecnológicos, como a internet e o smartphone. Como o mundo dá voltas e a história se repete com outros contornos, verifica-se que estamos aqui diante de situação que remete ao nascedouro do Direito do Trabalho, ou seja, da razão de ser da proteção trabalhista: a impossibilidade do trabalhador de acesso ou controle por meios produtivos. Em outras palavras, frente à UBER, estamos diante da subordinação clássica ou subjetiva, também chamada de dependência. O trabalhador é empregado porque não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, o percentual do repasse, a apresentação e a forma da prestação do trabalho. Até a classificação do veículo utilizado é definida pela empresa, que pode, a seu exclusivo talante, baixar, remunerar, aumentar, parcelar ou não repassar o valor destinado ao motorista pela corrida. Numa situação como essa, pouco importa se o trabalhador pode recusar corrida ou se deslogar. A recusa ou o deslogamento se refletem na pontuação e na preferência, pelo que penalizam o motorista. Diante do denso quadro fático apresentado pela Corte Regional e, considerando-se, portanto, que a ré admitiu a prestação de serviços, mas não logrou, contudo, desvencilhar-se do ônus da prova quanto à inexistência de vínculo empregatício com a autora, bem como presentes todos os requisitos do vínculo de emprego, tal como fartamente demonstrado acima, a conclusão da existência do vínculo entre a autora e a Uber não afronta os arts. 2º e 3º da CLT. Ileso ainda o art. 170, “caput” e IV, da Constituição Federal, na medida em que os princípios da livre iniciativa e da ampla concorrência não podem se traduzir em salvo-conduto nem tampouco em autorização para a sonegação deliberada de direitos trabalhistas. Recurso de revista não conhecido. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EXTERNA. HORAS EXTRAS. CONTROLE DE JORNADA. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. O Tribunal Regional afastou o enquadramento da autora na excludente do art. 62, I, da CLT, ante o vasto conjunto probatório dos autos, que demonstrou o exercício de atividade externa pela autora, no entanto, com controle de jornada por parte do empregador. Declarou a Corte Regional que “Não há qualquer dúvida de que a UBER não só poderia monitorar os horários como efetivamente o fez, inexistindo a incompatibilidade alegada por ela entre a natureza do serviço e o controle do horário de trabalho.” Assim, para se concluir em sentido contrário ao entendimento esposado pela Corte Regional e afastar a condenação da ré ao pagamento das horas extras reconhecidas à autora, seria necessária a incursão no conjunto probatório dos autos, procedimento obstado pela Súmula 126/TST. Logo, a aplicação desse enunciado impede a análise da violação suscitada, e, por conseguinte, da própria controvérsia, o que afasta os reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, na forma do art. 896-A da CLT. Recurso de revista não conhecido, por ausência de transcendência do recurso de revista. INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. MERO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA.1. A causa oferece transcendência política, nos termos do art. 896-A, §1º, II, da CLT.2. A atual, notória e iterativa jurisprudência do c. TST caminha no sentido de que o mero inadimplemento das obrigações trabalhistas não acarreta, por si só, a configuração do dano moral, devendo haver prova robusta dos danos causados, em especial, a violação dos direitos da personalidade, notadamente da honra, da integridade ou da imagem. Precedentes. Na hipótese dos autos, a Corte Regional condenou a ré ao pagamento de indenização por danos extrapatrimonias, sem a demonstração inequívoca da prática de ato ilícito que resultou em lesão aos direitos da personalidade da autora, em afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido por afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal e provido. CONCLUSÃO: Agravo de instrumento da ré conhecido e desprovido; recurso de revista da ré conhecido e parcialmente provido.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná – TRT9 também vem respeitando as decisões do TST, vejamos a recente decisão de 18/08/2023, íntegra em anexo:
MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. RELAÇÃO DE EMPREGO. PRESSUPOSTOS PRESENTES. SUBORDINAÇÃO SUBJETIVA, OBJETIVA E ALGORÍTMICA. RELAÇÃO COMERCIAL AFASTADA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO RECONHECIDO. A existência de vínculo comercial com os motoristas, como argumento para afastar o vínculo de emprego entre eles e a plataforma UBER não encontra respaldo nos planos fático e jurídico. Embora desenvolva atividades com ampla utilização de tecnologia, não se pode afirmar que a empresa atue no ramo tecnológico. Seu modelo de negócio é tributário do uso intensivo do trabalho humano. Não haveria prestação de seus serviços sem a atuação de motoristas. É frágil, também, a alegação de que o trabalhador atua com autonomia; na realidade, sua liberdade é impedida pela atuação do algoritmo, consolidando-se o que Alain Supiot denominou de “autonomia na subordinação”. Deve o intérprete do direito acompanhar o impacto das inovações tecnológicas nas formas de vida e de trabalho, e, notadamente, no Direito do Trabalho. É imperioso reconhecer que o objeto da relação estabelecida entre o motorista e a plataforma é a prestação de labor, o que a caracteriza como típica relação de trabalho e afasta o argumento relativo à natureza comercial. A força atrativa da relação de emprego e a sua tendência expansionista fazem presumir a sua caracterização, salvo prova em contrário. O que difere o trabalho autônomo do subordinado é basicamente a intensidade da , que no seu aspecto subordinação subjetivo compreende o estado de sujeição a que o trabalhador se encontra em face do tomador de serviços, quanto à limitação de sua autonomia de vontade, quando o tomador direciona objetivamente o segundo na forma como se dará a prestação de serviços; no seu aspecto , quando o exercício objetivo da atividade pelo trabalhador é afeto à própria finalidade do empreendimento do contratante, sendo a atividade desempenhada de necessidade contínua e permanente do empregador e a contratação só pode ocorrer nos moldes definidos na CLT; e no aspecto da subordinação algoritmica, que preserva o núcleo central do conceito de subordinação jurídica clássica, mas o atualiza em relação às novas modalidades de contratação. O capitalismo de plataformas, materializado em empresas como a UBER, impõe estabelecer nova ressignificação ao conceito de subordinação, pois a maioria das novas formas de trabalho mediadas pela tecnologia, ao alterar substancialmente o tipo de controle exercido, estabelece um novo contorno à subordinação jurídica. Presente a subordinação, nas três perspectivas descritas, bem como os demais elementos caracterizadores do vínculo de emprego deve ser reconhecida a relação empregatícia entre as partes. Recurso do autor a que se dá provimento. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. RELAÇÃO DE EMPREGO. PRESSUPOSTOS. ARTIGOS 2º E 3º DA CLT. RELAÇÃO COMERCIAL AFASTADA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO RECONHECIDO. A relação de emprego forma-se a partir da existência, no mundo dos fatos, dos pressupostos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Se na relação jurídica firmada entre o motorista e a plataforma UBER a realidade fática indicar a (os motoristas pessoalidade devem realizar cadastro pessoal e aceitar os termos propostos pela empresa para a execução dos serviços; motoristas identificados a cada corrida pelo nome, número de viagens realizadas e avaliações dos usuários; e eventuais substituições ocorrerem entre motoristas também cadastrados na plataforma, sendo a alternância dirigida); a onerosidade (trabalho remunerado, com cláusulas relativas aos pagamentos indicando verdadeira política de remuneração estabelecida unilateralmente, sem ingerência do motorista sobre o preço cobrado pelas corridas, sobre os percentuais repassados e a frequência com que são realizados; diversas cláusulas estabelecendo total disponibilidade sobre os valores arrecadados, inclusive com reserva do direito de reter pagamentos dos motoristas), a relação que se prolonga no tempo e é não eventualidade ( realizada com reiteração e constância; e trabalho intermitente e não apenas eventual); e a subordinação jurídica (hoje com a sua concepção clássica remodelada a partir das novas formas de produção e organização do trabalho, no intuito de estender a proteção para além das hipóteses de dependência hierárquica e que ganhou impulso com a proteção constitucional ao trabalho decente, com a necessidade de dar cumprimento aos Princípios Fundamentais do Trabalho – Declaração de Princípios da Organização Internacional do Trabalho, art. 2 – e com a necessidade de efetivar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS da Agenda 2030 da ONU, bem como, pela exigência de interpretação das normas jurídicas observando-se o imperativo da filtragem constitucional), haverá vínculo de emprego. Alegação de que esse modelo laboral exige regulamentação própria, vinda do Poder Legislativo, que se afasta, em razão da força expansiva do Direito do Trabalho, da aplicação de seus princípios tuitivos e das seguintes características notórias do modelo: a) o motorista, ao acessar o aplicativo, firma verdadeiro contrato de adesão, pelo qual se compromete a manter o veículo dentro dos padrões estabelecidos pela empresa; b) a Uber tem ampla liberdade para definir os motoristas aptos a dirigir em seu nome, para descredenciar os que não atingem o padrão por ela estabelecido e determinar as condições para o veículo; c) há regras implícitas de comportamento, urbanidade, trato com os usuários e vestimentas, todos definidos e sujeitos à fiscalização pela UBER; d) o sistema de pagamentos, bonificações, metas, variação do valor da corrida a partir da demanda, e o próprio valor pago pelas corridas é estabelecido pelo aplicativo, sem qualquer participação do motorista; e) o trabalhador, em tese, pode recusar corridas e/ou cancela-las, não havendo transparência suficiente sobre como esses aspectos influenciam a relação com a empresa, havendo indícios de utilização, inclusive com caráter punitivo não explicito, como critério de distribuição de corridas, ou mesmo de exclusão unilateral do motorista da plataforma; e f) o documento “termos e condições de uso” autoriza a empresa a fiscalizar o trabalho e aplicar sanções disciplinares. Evidenciado que a ré exerce verdadeiro poder empregatício e que o trabalhador exerce a atividade em regime de subordinação e presentes os demais pressupostos previstos nos arts. 2º, 3º e 6º parágrafo único da CLT, deve-se reconhecer o vínculo de emprego. Recurso do autor conhecido e provido. (RO-0000553-83.2022.5.09.0007, Desembargadora Relatora Marlene Teresinha Fuverki Suguimatsu, 4ª Turma do TRT9, Julgado em 16/08/2023).
Diante do exposto, vimos que os tribunais pátrios estão consonante às decisões do Excelso TST, in casu, está evidente que o vínculo de emprego entre a empresa UBER.
Marques da Costa – Advocacia e Consultoria Jurídica
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